quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

“Sublimando” - Momentos de reflexão. Por Maria Cristina Quartas






“Viver não é necessário. Necessário é criar."
(Fernando Pessoa)





Final de Dezembro…
É chegado o momento mais importante do ano para mim: Fim duma etapa, início de outra…
Sempre aproveito para fazer um balanço do ano que fica para trás. E dos pontos mais relevantes, tiro uma ilação, que normalmente vai ser o ponto forte no ano seguinte, onde irei mais investir e trabalhar (aperfeiçoando) juntamente com outros aspectos, (não tão menos importantes da vida).
E como já vai sendo uma tradição de há alguns anos a esta parte, gosto de partilhá-la com os amigos.
E por isso, aqui estou….
É um pouco difícil escolher um ponto relevante de 2009. Mas, opto por escolher um mote chave, que me parece enquandrar-se de uma forma generalizada, em tantas coisas que aconteceram e me marcaram.
Por isso, escolhi esta frase de Fernando Pessoa: “Viver não é necessário. Necessário é criar."
Como previa em 2008, este ano foi mais um longo período de aprendizagem, reflexão… muito orientada para aquilo que eu chamo de “reconstrução interior” (pelas razões conhecidas…).
Pois bem, há um aspecto muito interessante que denotei este ano. Um aspecto que se realçou em mim (duma forma muito natural), em favor de alguns sentimentos mais dolorosos e menos agradáveis. Como a angústia, a ansiedade, a frustração – o sentido de humor.
A melhor forma de se lidar com as situações mais difíceis é usar o humor. O sentido bizarro e caricato das coisas dão-lhe um aspecto completamente diferente. É uma forma de descontrairmos, de descentralizar a atenção e preocupação, criadas em determinados momentos. E que tanto nos impedem de reflectirmos com assertividade. Rir faz bem e é contagiante.
A boa disposição liberta-nos, desbloqueia-nos. E muitos problemas que nos pareciam complicadíssimos, passam a ser meros desafios, que serão muitas das vezes, ultrapassados duma forma (diria) quase lúdica.
Penso que o humor é uma arte. Ele aprende-se e aperfeiçoa-se.
A alma do humor é a CRIATIVIDADE.
Partilho um pequeno texto, que escrevi há pouco tempo:

“A Criatividade é uma das fórmulas mágicas para o "não-envelhecimento". Nas mais variadas coisas da vida podemos ser criativos. Desde a cozinha, no emprego, na decoração da casa, na arte, na cama (lol), et cetera et cetera… nas relações intra/inter-pessoais.
A Criatividade é a lufada que anima, incentiva, motiva o nosso dia-a-dia... e a Vida. É o arco-íris na nossa existência.Existe uma forte correlação entre o QI e o potencial criativo. A Inteligência é a capacidade de resolução de problemas de acordo com as aptidões de cada um. E a Criatividade é a capacidade que o indivíduo tem de resolver problemas procurando novas soluções, ideias originais e inovações utilizáveis. Por sua vez, esta tem como sustento a imaginação.
Dar asas à imaginação é pois, fazer desencadear todo o processo que permite desenvolver, exteriorizando as nossas aptidões para a Criatividade e Talentos. Um bom exercício para melhorar a Inteligência.

Há quem defenda que a Criatividade tem a ver com o processo de desenvolvimento cognitivo na infância. Outros autores afirmam que é um factor hereditário.
Bom, contudo, sabemos que todos nós temos essa aptidão, e essa faz parte integrante do Homem (e que se distingue dos outros animais, por isso também).
Uns mais, outros menos... todos nós podemos ser criativos de alguma forma. E isso é um treino que podemos fazer. Aprender a fazer.
Sabemos também, que ao desenvolvermos a Criatividade em nós, estamos a desenvolver as capacidades de humor, optimismo, sentido estético (belo, agradável, harmonioso)… E se, mentalmente, cultivamos esse estado de motivação e entusiasmo, é obvio que o nosso corpo vai recepcionar e emitir a sensação do bem-estar, do aprazível.Sem explicações psicofisiológicas… sabemos que, quando somos criativos, sentimos relaxamento muscular, o sangue a circular mais depressa, o coração a bater mais vivamente e duma forma harmoniosa… é pois psicossomático sem dúvida alguma.
Quando somos criativos ou pelo menos, quando nos desempoeiramos e dispomo-nos para esse lado das coisas, ficamos mais bonitos, mais alegres, mais sorridentes, mais felizes. Ficamos com um brilhozinho nos olhos, a pele mais sedosa… Diria, apaixonados! (ou pelo menos, com alguns dos seus sintomas!!!)Em Psicologia, mais propriamente em psicoterapia, é muito usada a Arteterapia, musicoterapia. São técnicas expressivas, que levam o indivíduo a “soltar-se”, a exteriorizar o que verbalmente não consegue fazer.Costumo aconselhar, como remédio caseiro, quando a pessoa está mais depressiva ou mais triste, a pegar numa folha de papel e escrever, ou pintar…. Ou então, por musica a tocar e balançar o corpo ao seu som. Fechar os olhos e deixar-se levar…
Mozart, Van Gogh, Schumman, Sting, Peter Gabriel, W. Churchill, Carlos VI o Louco, Rei de França, Kurt Cobain, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Jim Morrison... (com Perturbações de Bipolaridade…)…tantos e tantos outros, que sentiram o azedume da vida e nos momentos mais dolorosos, como meio de alívio e como bálsamo, libertaram o seu instinto através da sua Criatividade.
E a Arte o que é, senão a forma mais pura de expressão com Criatividade, numa linguagem instintiva e genuína?!Um bom desafio para 2010!
E podemos começar já, com os postaizinhos de Natal e as prendinhas para o sapatinho.
- um poema ou verso dedicado à pessoa;
- um frasquinho de iogurte ou café…que ia para o lixo… com uma flor pintada/uma borboleta;
- uma pega feita de croché/renda, ou pano duma camisa velha… pespontado em volta com lã colorida;
- rolos de papel higiénico enchidos com drops e bombons… embrulhado em papel celofane… e um laçarote de fita colorida (para as crianças…);
- biscoitinhos caseiros (até está bom tempo para isso) numa caixinha velha forrada com papel de prata… e por fora uma aguarela feita pelos nossos filhos;
- compotas feitas com frutos da época dentro de frasquinhos que se compra na loja dos Chineses… e pôr os maridos ou namorados a partir nozes/avelãs/amêndoas… e misturar no doce feito… embrulhar num pano velho de linho (restos duma roupa qualquer) atado com uma trança de lã vermelha/amarela/azul…;
- etc……etc…..etc…..
Hoje está um bom dia para ser Criativo: céu cinzento, chuva, frio…
Há pequenos momentos na vida que nos marcam. E partilhar, por exemplo, uma coisa destas com as nossas crianças, não só lhes estimula a Criatividade, como os aconchega numa atitude de muita partilha, cumplicidade, afecto e ternura. E não serão este tipo de coisas, as maiores heranças que podemos deixar aos nossos filhos? Não será tudo isto que fazemos, criamos… tantas vezes em pequenos momentos na vida… que marcamos a nossa presença nos outros e lhes deixamos saudade duma forma impar?”

Depois deste texto, penso que nada mais é necessário dizer.


Paro por uns instantes….e olho o céu pela janela (enorme) do meu gabinete.
As lágrimas caem-me pelo rosto…
Como eu gostava de poder também partilhar contigo, o que sinto dentro de mim!...

Um forte e caloroso abraço.

Maria Cristina Quartas
30/Dez/2009

domingo, 27 de dezembro de 2009

"O culto da morte - na nossa cultura", por Maria Cristina Quartas

A morte é um “fenómeno” natural, que o Homem desde o princípio dos tempos a tem caracterizado com misticismo, magia e mistério.
O ser Humano é por natureza um Ser místico. É através deste misticismo, que ele tenta se compensar, equilibrar e de alguma forma recriar as explicações que o satisfaçam, naquilo que não compreende, ou não consegue alcançar. Como Ser pensante e racional, tem necessidade imediata, de obter resposta às suas questões. A "não resposta" àquilo que ele equaciona, ou pretende entender, cria-lhe ansiedade e angustia, pela incompreensão das suas próprias limitações.
Através da Religião (do latim: "religio" usado na Vulgata, que significa "prestar culto a uma divindade", “ligar novamente", ou simplesmente "religar"), o Homem não só minimiza o seu sofrimento da angustia causada pelas suas limitações e incongruências (pondo a cima dele uma identidade mais inteligente e detentora de toda a verdade – verdade essa que ele não consegue alcançar)… como pratica um acto social/colectivo, onde sente o apoio do aconchego, pela consensualização da compreensão e pela partilha.
O culto da morte é um acto religioso. Devido à angustia e dor da separação e do desenlace, o Homem pratica esse acto, para sentir que de alguma forma é compreendido na sua dor e sofrimento. Para sentir amparado na sua fragilidade. E também para de alguma forma prestar homenagem a quem parte e com quem conviveu, partilhou e amou. Diria que, em certa forma o imortalizar…
Ou seja, se por um lado procura a protecção/aconchego/compreensão Divina, por outro, concentra a sua dor na partilha com os de mais. Talvez esta dualidade de comportamento, tenha a sua explicação na insatisfação de resposta, quer num ou noutro (quer na Divindade Superior, quer nos outros Seres humanos)....
Assim, o culto da morte é um acto colectivo, por uma necessidade que tem a sua génese no individual.
O Homem, através do social/colectivo sente uma maior protecção… o que remonta à história primitiva do Homem…
Esta é uma perspectiva no meu ver.

Contudo, existe uma outra perspectiva, também com génese no individual: o medo e a angustia do esquecimento (isto é, de não ser mais lembrado - o fim das coisas – o NADA - uma noção difícil de entendimento). De facto, viver uma vida de constantes preocupações de entendimento das coisas e de si mesmo… de uma incessante inquietação na busca de respostas e explicações das coisas e do Mundo…. para além de toda uma basta experiencia de aprendizagem, de conhecimentos, sentimentos, emoções e experiências…. Coloca-se obviamente a questão: para quê tudo isto se um dia tudo acaba?!
Ao conceituarmo-nos na perpetuidade da vida e da alma, o Homem cria uma razão para a justificação de toda esta sua existência.
Existe assim, um medo individual ao esquecimento e a esta coisa assim designada: “tanta coisa para coisa nenhuma”!
O culto da morte é assim também, uma celebração ao não esquecimento e perpetuação da lembrança daquele ser, pela sua importância com os demais nesta vida terrena. Ao celebrarmos o outro, estamos a fazer lembrar os outros de nós – a afirmar a nossa importância da nossa existência.
Diria, uma renegação da morte e ao mesmo tempo uma afirmação individual de posse perante a vida. Há aqui um processo de vinculação existencial. Que curiosamente, me parece que funciona de nós, para nós mesmos!

Com a evolução dos tempos, este culto tem sofrido alterações. O comportamento do Homem, tem como base uma cultura e uma educação. Ora, se estas evoluem, obviamente que as manifestações comportamentais humanas mudam também.
Essas mudanças que ocorrem ao longo da história das culturas fazem-se duma forma lenta. O que é de se compreender! De geração em geração passa a tradição, e sendo esta uma crença estreitamente individualizada, passa a ser uma necessidade intrínseca do Homem.

Com o evoluir da Ciência e das tecnologias, o Homem vai descobrindo que afinal o seu Deus, não é tão prodigioso quanto isso. Se por um lado, ele permite o sofrimento, a injustiça, a incompreensão, as limitações humanas, as guerras, as doenças…. O Homem também é capaz de fazer algumas coisas fantásticas, nas quais Ele afinal se mostra menos prodigioso até então. O Homem já é capaz de fazer clones…fazer transplantes, cirurgias, parar/tratar doenças… dominar as energias nucleares, biológicas…consegue ir a outros planetas…consegue num mesmo momento acabar de escrever uma mensagem e ela ser lido pelo mundo inteiro…

Bom, será que o Deus deste século é tão poderoso quanto o Deus de há séculos atrás?
Parece que efectivamente não é.
As crises existenciais começam a aparecer. O que era certo e inquestionável começa agora a criar duvidas… os olhares são diferentes… os sentimentos são direccionados não de baixo para cima, mas de cima para baixo….
A religiosidade já não é a mesma. E naturalmente, o culto da morte, começa a entrar em “crise”!!!...

As pessoas não se apercebem. As pessoas não sabem. Apenas sabem que existem normas sociais, estereótipos sociais… e como tal, duma forma (diria) completamente encenadora vão-se comportar (porque é tradição, porque é habito, porque é costume, porque é o normal..).
É uma atitude individual inconsciente. E acaba por se reflectir numa atitude simulatória de sentimentos que não têm o valor que lhe é atribuído. Ou seja, o culto da morte passa a ser dirigido não ao morto, mas à relevância/à importância da existência do vivo.
Se assim é, não será o culto da morte mais uma das muitas formas de exibicionismo público de vivos, cujo motivo tem origem num morto?

Para reflectir! …

Maria Cristina Quartas

domingo, 13 de dezembro de 2009

"Poema Inacabado"

Cria o Homem um Deus
na necessidade de se explicar.
Inventa filosofias, teorias…
para assim uma razão encontrar.

Uns, porque sem explicação
não podem viver
equacionam, elevam ao quadrado
tudo o que querem compreender.

Assim com tanta perfeição
separa e impõe barreiras.
Porque para estes
só as matemáticas são verdadeiras!

Outros, porque só acreditam vendo
pouco se importam com as utopias.
Criam laboratórios, usam cobaias
afirmam novas teorias.

Passam do pensamento à acção
passando pela experimentação.
Convencem-se que o resultado é certo
e só ai poderão estar mais perto.

Há ainda aqueles, que se inspiram na Criação
Evocam Alá, Maomé, Jeová, Deus, Forças Superiores…
Elevam pensamentos, irradiam vibrações…
Pouco se preocupam com as explicações.

Ignorando as leis da Física e da Química
tudo lhes parece certo.
Porque só indo tão longe…
sentem-se mais perto.

Existem uns outros
que dizem em nada acreditar.
Vivem do pão do dia-a-dia
porque é tudo o que a vida lhes tem a dar.

Esses vivem vivendo sem muito pensar.
É o destino, é o fado, é tudo programado!
“Donde vim?”, “ Para onde vou?”…
O que importa é o que sou!

Mas com tanta especulação
e com tantas razões encontradas
porque se sente o Homem
com tantas certezas inacabadas?

Flutuando nas ondas do mar imenso
nas águas que banham a sua existência
perde-se no rebuliço das tempestades e marés
ao desencontro da sua própria essência.

Maria Cristina Quartas

"Eu"

Neste horizonte
sou apenas um grão de areia num imenso deserto.
Para além deste horizonte,
olho para os continentes, para os mares…
e já não sou mais nada.
Toda a minha dimensão desapareceu
e sou apenas uma pequena partícula,
quase invisível, deste mundo.
O meu olhar eleva-se ao firmamento.
Aí as montanhas tornam-se ainda mais pequenas
que nem godo na praia.
E o Oceano, os oceanos
como uma gota de chuva.
Olho em volta.
Mundos e mais Mundos em redor…
Júpiter, Vénus, Marte…
Meu Deus!
Que dimensão exígua da Terra à beira destes Planetas!
E eles?!
Vejo-os perdidos neste imenso espaço
de todo um sistema de Mundos,
de Estrelas, de Buracos Escuros,
de Sois, de Luas…
Ultrapasso todo este espaço e…
Vejo Galáxias, mais Galáxias,
novos sistemas, novas Estrelas, novos Mundos…
Perdi-me.
Agora sou apenas pensamento.
Consciência cósmica num espaço Infinito, sem dimensões.
Sou as Galáxias dum Todo.
Sou os Mundos desses sistemas.
Sou as montanhas e os oceanos do planeta Terra.
Sou o grão de areia, a gota de água nos horizontes.
Sou a molécula, o átomo dessas partículas.
Sou ião, fotão…
Sou tudo e isto e muito mais.
Sempre que tome a consciência
d’onde vim, para onde vou – O QUE SOU.

Maria Cristina Quartas

"Atenção Poetas!"

...um minuto de silêncio, por favor,
porque uma estrela se apagou.
Apagou-se a estrela mais pequenina,
mas a mais brilhante de todas as estrelas,
que iluminava a minha alma
e adornava o meu ser.
Jamais verei o pôr-do-sol
sobre o horizonte como dantes,
porque nele sepulta a luz
que me dava vida
e alimentava a minha inspiração.
O céu veste de luto,
e de luto está minha alma
de tão inefável penar.
Não haverá mais alvoradas,
porque o dia se fez noite,
e a noite o sepulcro do meu alento.
Poetas: um minuto , por favor!
Deixem-me invocar Tétis, Vénus…
Dizer-lhes que não foi em vão que escrevi
um poema sobre o AMOR e a ETERNIDADE.
Deixem-me dizer-lhe que anda me resta
a esperança de um dia também ser…
- uma estrela.
Só lhe quero dizer Poetas:
- PRECISO DUM MINUTO DE SILÊNCIO.

Maria Cristina Quartas

"Eu..."

…Sou um barco perdido na maré.
Sou uma criança sem mãe.
Uma lágrima no teu rosto.
Uma nuvem arrastada pelo vento.
Um vento que passa.
Uma sombra do passado.
Um choro de criança.
Sou melodia.
Sou uma flor morta no chão.
Sou miséria no Mundo.
Um mal em pessoa.
Uma fonte seca.
Um rio poluído.
Sou as armas e os gritos.
Sou um raio num dia de trovão.
Sou o teu reflexo.
Sou uma máquina mal ligada.
Sou…
Eu sou eu e não sou ninguém.


Maria Cristina Quartas
1985

domingo, 15 de novembro de 2009

"Devaneio dum momento de paixão"


Fim da tarde.
O sol já se escondia.
O mistério da noite começava então a sentir-se,
no ambiente calmo, sereno e tranquilo à beira mar.
Havia um perfume de volúpia maresia.

Estavam sós.
Sem horas marcadas para aquele encontro.
O tempo era só um – aquele momento.
Num espaço centrado ali, envolta daqueles dois seres.
Ele sorria-lhe de desejo e luxúria.
Ela olhava-o com um olhar sedutor e convidativo.

Num silêncio cativante,
a química aferventou numa atracção harmoniosa.
Os corpos aproximaram-se,
e suas bocas tocaram-se…
Beijos ávidos e quentes,
com palavras sussurradas de ardor e desejo.

Endoidecidos de prazer pediam mais… e mais…
Gemidos envoltos de desejo e sofreguidão…
Dois animais famintos de sexo.
Numa luta de corpos sedentos de desejo,
as línguas se tocavam
e percorriam todas as entranhas do corpo um do outro.

Havia risadas de gozo e de prazer.
Eles brincavam com a própria excitação do jogo do desejo.
Gestos, olhares, sussurros, respiração…
A paixão e a volúpia
transformavam-se em néctar lubrificante na vagina dela,
e em seiva no pénis dele.

Deleitosos, húmidos, aprazíveis…
no ponto certo para se encaixarem
e tornarem-se em um só – num só ser,
numa só carne, num só tesão.
E assim foi, porque irresistivelmente tinha que ser.
Enquanto o mistério do silêncio os aproximava ainda mais.

Nos seus rostos colados,
mergulhava um olhar difuso de pupilas dilatadas,
fazendo-se ecoar o bulício dos seus fôlegos.
A respiração era agora só uma – ritmada, fulgurante…
enquanto os sexos se penetravam…
Ele agarrava-lhe os seus longos cabelos castanhos macios e lhe sorria,
dizendo o quanto a desejava e como era bom fazer amor com ela…
E ela correspondia - sorria-lhe de gratidão…

Intensamente gozavam o prazer do jogo do sexo a dois.
Sedentos, sôfregos, ávidos…
num ritmo infinito de prazer, de força, e vigor.
E gemiam, gritavam…
Pediam mais e mais, até à loucura da exaustão
onde a mente, corpo e alma se difundiam
no sentimento mais aprazível de existir e de se Ser.

Subitamente o céu abaixou à Terra,
envolvendo-a numa êxtase de enorme ebulição.
A lua ficou mais redonda, cheia de brilho e luar.
As estrelas começaram a girar de forma descoordenada
em volta do planeta e do sistema solar.
Uma explosão intensa de sentimentos e emoções, no seu ápice!

E…
num culminar, um silêncio absoluto se fez.
Dois corpos cansados
relaxam agora no júbilo da noite serena, à beira mar.


Maria Cristina Quartas

2009

"Dialéctica"

Lá fora,
chovem gotas de ira
que penetram na terra devorasmente.
No solo corre o sangue da fúria
dos cadáveres mortos nesta aniquilação.

Lá fora,
as papoilas murcharam
e os pardais foram encarcerados.
Nada resta na natureza,
a não ser
capacetes marciais e…
alguns restos (já em putrefacção)
de algo chamado “Homem”
- aqui e além uns miolos e uma mão
esticada pedindo paz.

Lá fora,
tocam as cornetas
e já não há marchas.
Porque o som das cornetas
são gritos de desespero,
que fazem os esqueletos taparem
os ouvidos ou a saírem deste planeta.

Lá fora,
o epipétalo já não é mais estame,
mas bomba nuclear,
onde cada um espera colher o pólen,
para a sua própria sobrevivência.

Lá fora,
fazem abortos dos humanos
e fazem monstros em provetas,
e deixam parir os animais…
Selva tão coordenada…
Quem manda é o leão!

Lá fora,
há já um projecto para uma estátua
dum soldado desconhecido
e sepultam tantos esquecidos!

Lá fora,
é o século das luzes…
Oh, raio de vida,
que me pariste
na maior escuridão dos milénios!

Lá fora,
os defuntos vestem de luto.
Aqui,
Eu visto de branco.

Maria Cristina Quartas

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

"Da janela do teu quarto"

Da janela do teu quarto,
quando o sol se põe
entre as entranhas dos montes
e por entre o emaranhado das nuvens do céu…
quando na magia do entardecer no cinzento manto
se pinta de azul e de cor d’alvorada…
Eu vou te olhar no teu olhar.

Da janela do teu quarto,
quando a ria transborda melancolia e saudade
e alaga no sentimento a fantasia
e enche um coração de sonho e ilusão…
quando de mansinho as ondas embalam as águas paradas
e um pequeno remoinho as faz vibrar…
Eu vou te sentir na tua alma.

Da janela do teu quarto,
quando a brisa suave deslumbra o sabor fresco
e o cheiro quente da terra a adormecer…
quando o aroma da miragem te envolve…
Eu vou te sentir no cheiro desse perfume.

Na janela do teu quarto,
na hora do anoitecer
abrem-se luzes d’arribalta
para Sereias, Ninfas e Musas aparecer.

É pela janela do teu quarto na hora do entardecer
que vou ao teu encontro para te Amar
com todos os meus sentidos!...

Maria Cristina Quartas
20/Set/2009

domingo, 8 de novembro de 2009

Falemos de sexo sem tabus: "Fazer amor com sexo ou fazer sexo com amor"

Por Maria Cristina Quartas
Hoje vamos conversar um bocadinho sobre sexo...
O homem das civilizações mais primitivas tinha uma ideia completamente diferente da nossa no que se refere ao sexo.
O sexo era usado instintivamente de dois modos fundamentais: como meio de auto-reprodução e de multiplicação da espécie; e como meio de se realizar o ímpeto atractivo entre duas polaridades opostas, por uma necessidade fisiológica.
O sexo sempre foi algo muito valorizado pela sua importância. Sabe-se que nos agrupamentos humanos primitivos a grande maioria dos rituais era ligada à magia sexual. Por isso existem em ruínas figurações do "falus" (= órgão sexual masculino) pelo seu valor de representação prática para a sobrevivência das espécies, sob todos os pontos de vista.

Já no homem mais evoluído o sexo é utilizado sob duplo aspecto: prazer e reprodução.

Por um lado, o sentido prático da reprodução, e por outro, o lado mágico imposto pelo mistério que era o nascimento de um novo ser. Portanto, os cultos fálicos não eram dirigidos à motividade, mas sim à fecundidade, pois, se abolissem o sexo, por certo não haveria descendentes, e uma tribo pequena era presa fácil para as outras maiores.

Durante séculos, o sexo para a mulher foi visto como forma de reprodução e só. Não restando a ela outra função para o acto, tendo em vista que o prazer feminino era reprimido ao extremo.
Assistimos hoje em dia a mudanças, que diria quase radicais, no que concerne aos conceitos da sexualidade da mulher.
Graças à informação a que todos têm acesso, o sexo passou a fazer parte do quotidiano, não ficando limitado apenas à concepção, mas fazendo com que a mulher se sentisse valorizada e que a sua auto-estima fosse elevada.
Sem pretender ser discriminativa, penso que essa revolução é mais verificada e acentuada nos conceitos da mulher do que no homem, no que respeita à sua aceitação, libertação e postura perante o sexo oposto. Já há muito o homem desejava uma postura diferente na mulher.
Embora, a nossa educação e cultura fizesse sempre predominar os conceitos e valores ligados (em grande parte) à religião e aos conceitos de “Mulher” na nossa Sociedade.
A postura do homem tem sido, ao longo dos tempos, muito mais natural e diria menos hipócrita. Assumem muito mais que a mulher a sua necessidade fisiológica e envolvem-se muito mais, duma forma mais declarada na conquista e obtenção do prazer carnal.
Fazem-se muitos julgamentos acerca da postura do homem, relativamente a ele procurar outras mulheres além daquela que escolheu para sua “donna”.
Pois bem, será caso para perguntar, porque faz ele isso? Será que o faz para se afirmar “macho-viril-potente” ou a sua companheira não o realiza devidamente nas proporções necessárias à sua realização sexual? De qualquer forma, sabemos que os conflitos causados por esse tipo de situações nada são agradáveis (numa sociedade em que predomina a monogamia) e que naturalmente é sempre almejado a harmonia entre o casal.

Muitos são os factores que duma forma directa ou indirecta contribuem para a emancipação e libertação da mulher hoje em dia. Aspectos relacionados com a organização social, as normas culturais e morais, a conjuntura histórica e a expectativa dos papéis sexuais… Permitem à mulher uma maior independência e autonomia que lhe favorece novas maneiras de pensar, de ver e de estar no mundo.
Desta forma, muitos mitos e preconceitos que envolvem o acto sexual em si, tenderão a desaparecer para dar um novo conceito de Mulher.Um outro fenómeno social que está a emergir tem a ver com a “temporalidade das coisas”. Estamos numa Era Moderna, a qual se caracteriza por uma "sociedade de consumo” – um consumismo rápido. O homem vive pelo prazer imediato das coisas, sem estar a fazer futurologia ou a pensar no dia de amanhã. As coisas e as acções tendem a ser temporais e não eternas.

Até o “amor romântico” já está a cair em desuso. Pois segundo os ideais do romantismo um amor deveria ser perpétuo…




Hoje em dia nada mais é eterno. Tudo é temporal e casual.
Há quem diga, que assim se vive melhor e se goza mais a vida, tirando dela o que a cada momento nos aparece de bom (como se cada momento fosse o último da nossa vida).
Considero assim, que temos necessidade de actualizar os nossos padrões de vida e modos de vivência.
Urge repensar os conceitos de sexualidade da mulher. E principalmente aquelas que passam por situação de divórcio, porque após a sua separação vão encontrar um mundo completamente diferente do que estavam habituadas e para o qual foram educadas.
Carentes, vulneráveis, fragilizadas… saídas duma relação que viveram durante anos, numa convivência menos aberta e, se não, tantas das vezes, uma experiência de castre e de renegação… sentem-se agora mais esperançadas em encontrar um rumo mais certo para as suas vidas, caem facilmente em promessas falseadas de homens menos escrupulosos. As suas expectativas são altas naquilo que almejam encontrar e, perante os piropos e lisonjeios, criam sentimentos exacerbados de ilusão e paixão.
É comum assistirmos ao erro de, passado pouco tempo, estarem a envolver-se afectivamente com alguém. E é sentença lida, que após algum tempo, as lágrimas voltam, pelo desencanto da desilusão e pela frustração de mais uma relação fracassada.
A fase pós divorcio deverá ser vivida da forma mais serena possível e com a introspecção necessária ao amadurecimento e reconstrução interior.
Obviamente, só poderemos gostar de alguém duma forma saudável se nos sentirmos bem connosco próprios, seguros, e autónomos – ou seja, equilibrados.
Sendo o sexo extremamente importante quer a nível físico e psicológico, para o equilíbrio, bem estar-estar e confiança da mulher, ela tem que estar preparada para enfrentar novas relações.
E quando se recomeça uma nova vida activa é preciso que a mulher seja bastante honesta com ela própria: ou procura uma relação sexual ou procura um relacionamento afectivo.
Sabemos que ambos são possíveis em simultâneo, mas há que começar por algum lado.
Pode-se ter vários tipos de relações com pessoas diferentes. Uns serem só amigos, outros grandes amigos, e outros ainda, amigos “coloridos”. Isto enquanto não se encontra a pessoa certa (a seu tempo ela aparecerá com certeza) para um relacionamento mais profundo de compromisso.

Os homens gostam que as mulheres assumam a sua sexualidade. E, por outro lado, faz com que elas se sintam mais autênticas e confiantes.
O sentimento de admiração que um homem sente por uma mulher pela forma como ela se assume já é, por si só, uma forma de afecto e que gera um grande grau de respeito.
Saber discernir o que pretendemos antes de mais e depois saber fazer a selecção dentro daquilo que queremos. E nunca esquecer, são as mulheres que escolhem o companheiro sexual. Sempre! E não ao contrário como se diz por aí.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

"A noite das bruxas"

Num sítio ermo em Baltar, entre vales e veredas, lá para os lados de Vandoma, o encontro estava marcado para aquela noite.
A noite começou a baixar a pouco e pouco. Na magia das sombras das trevas o feitiço se deu. Roupa lúgubre, chapéu de bico alto e abas preto, botas de biqueira fina… Era obrigatório comparecer conforme mandava o figurino.
Na escuridão da noite e no meio da neblina surge um portão enorme de ferro que se ia abrindo conforme os convidados iam chegando.
Por um caminho sinuoso, archotes e velas iam demarcando em direcção à Gruta…
Hipnotizada pelo encanto da magia da noite das bruxas fui levada àquele lugar retirado e recôndito.
Uma Caverna soturna me esperava.
Chegada finalmente à cavidade da Gruta sobre o manto negro…
À entrada, velas e caveiras nos recebiam. Lá dentro uma música soturna e diabólica nos convidava a entrar.
Entrei.
Uma enorme teia decorava o meio da sala. Aranhas, corvos e morcegos, cobras e lagartos… baba de serpentes escorriam nas paredes… defuntos pálidos prostrados espalhados pelos cantos…lanternas tortas de ferro enferrujado iluminavam as sombras bizarras que desenhavam silhuetas de corpos deformados.
O espaço era assombroso e ao mesmo tempo fantástico. Quase parecia real e que duma forma surreal levava a qualquer um a desbravar minuciosamente aquela escuridão.
As sombras aos poucos e poucos iam-se definindo por entre aquela luminosidade. E as bruxas iam aparecendo.
Era chegado o momento marcado para o encontro das bruxas. Bruxas feias, bruxas más, bruxas ruins…
A festa ia começar.
Com a musica mirabolante elas dançavam, cantavam, gargalhavam-se e espoliavam-se….
As caldeiras coziam em fumaça e as fumadas se faziam… Arroz de penas e bicos de aves, tarte de vísceras e dejectos de gafanhotos e sardaniscas… pataniscas de pelos de tarântulas, perninhas de aranhas fritas… bola de línguas e orelhas de cobra e de lagartos… rissóis de unhas e cabelos de cotovias velhas…sangue de morcego, urina de cavalo….
Após a ceia foi lida a ordem dos trabalhos das bruxas.
Por entre corredores estreitos seguiu-se em direcção aos fundos da caverna ao encontro dos Oráculos.
Búzios, cartas, bola de cristal e quiromancia. Entre si as bruxas se consultavam e faziam as suas profecias.
Falavam dos desamores, das desventuras e desilusões… e previam piores dias nas suas confissões.
Cansadas, exaustas, esgotadas…por entre as sombras da noite iam-se diluindo em regresso aos seus lares.
2h30.
Tirei o chapéu, tirei as botas bicudas, despi a roupa que trazia. Tomei um duche e deitei-me.
No conforto do meu leito, no escuro do meu quarto, entre as sombras imaginárias voltei de novo àquele lugar … para repor todo o mau-olhado que tinha trazido comigo.
Adormeci.

Maria Cristina Quartas

Nota: Obrigada querido "J" por me teres levado a este mundo fantástico.

domingo, 1 de novembro de 2009

"Festum omnium sanctorum "

Numa sociedade materializada em que não há tempo para os afectos, nem para as manifestações de sentimentos de amor, de amizade, de respeito, de partilha, de estima... Numa sociedade em que se esquecem as pessoas ainda vivas... o culto da morte é um acto colectivo, que parece querer relembrar a importância do outro nas nossas vidas. E por conseguinte, a importância da própria vida.
Algo controverso e ambíguo: se por um lado não lembramos, por outro não queremos esquecer.
Parece que a morte, é um processo que nos traz à consciência a importância da vida.
Por outro lado, ao rejeitarmos a morte e a tornando tabu, estamos a renegá-la.
Ela é o acontecimento que mais sofrimento provoca no ser humano. A separação, a despedida, a saudade, a solidão, o fim de tudo...criam angustias tais, que os nossos meios de defesa e de pensamento racional não conseguem suportar e entender. Por isso (duma forma inconsciente) esquecemo-la. Cria-se o tabu.
O culto dos morte, embora seja um atitude individual é um acto de cultura social-religiosa.
Apesar de acreditar convictamente na continuidade da vida, na existência do espírito… costumo dizer: Dêem-me flores em Vida. Cobram-me de flores e de beijinhos. E quando morrer, queimem o meu corpo efémero e deitem-no ao vento para fertilizar as plantinhas.

Maria Cristina Quartas

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Histórias ao vento: "Aldeia da roupa branca"

António Delgado's Photos - Wall Photos
"Há horas que tirei esta imagem já pouco comum em Portugal. Parece retirada do filme a Um modo de vida que foi muito comum das mulheres portuguesas do campo: o lavadouro. Lugar onde a vida da aldeia era revista: trocava-se e levava-se informação. O equivalente da taverna para o homem!".

Parece que sinto o cheiro do sabão "Clarim", e vejo as rodilhas velhinhas (algumas já com buracos), branquinhas, a marinar na lixívia com OMO.
Faziam parte dos meus brinquedos uns bonequinhos de plástico que saíam nesse detergente. Eram uns pequeninos, verdes escuro... figuras de guerreiros. Havia também umas balancinhas de várias cores….
Ai como eu gostava quando a minha mãe comprava uma caixa nova!....
Eu e o meu irmão, púnhamos à sua volta, numa ansiedade incrível, a ver o que ia sair. Se o boneco fosse repetido, ficávamos tão chateados… que até chorávamos (“Mãe, compra outra caixa!”).
Mas se o boneco estivesse em falta… que alegria era a nossa! E era certo sabido, que naquele dia, eu e o meu irmão nos íamos pegar. Ambos queríamos ser os primeiros a querer colocar o nosso pequeno guerreiro, em frente ao terrível batalhão por nós idealizado, naquele mundo de miniaturas do OMO.
De manhãzinha, pouco depois do sol nascer, lá ia a minha mãe, as minhas tias e mais umas vizinhas para a "Levada" lavar a roupa!...
Umas bacias enormes à cabeça, o balde no braço... e ainda havia 1 ou 2 mãos ocupadas comigo, com o meu irmão e os primos.
Pelo caminho, o meu narizito ficava congelado e as faces vermelhitas... primeiro era o frio e o sono. Depois o calor de tanto andar!
Chegávamos à "Levada".
A água era límpida... e o barulho dos regatos fresco...
Enquanto a água se manchava de sabão... as conversas iam nascendo ("Oh tia Laura, atão o tio Manel ontem disse ao meu Tone, que as suas pitas parideiras estão com o piolho?"). As conversas desenrolavam-se e no meu mundo de criança eu imaginava-me peixinho dentro daquela represa a comer as bolinhas de sabão...
Enquanto as bolinhas de sabão se faziam, ouvia-se um “cuac, cua”, dum pequeno sapo saltitante e mais lá à frente, num galho seco dum cedro, um “pirripiupiu” dum pintassilgo que nos vinha visitar.
A roupa era lavada. As conversas eram postas em dia. Havia a companhia das vizinhas e das parentes... e nós, crianças, brincávamos ao "faz de conta" com muita fantasia e felicidade.
Chegávamos a casa e as roupas eram estendidas na corda, outras a corar no chão...
Ao fim do dia, o pai chegava cansado... e ia até à taverna, falar com o tio Manel e outros amigos… Falavam do tempo, do preço do vinho e da batata, contavam anedotas picantes...
Não havia televisão, nem Powermen... mas havia o contacto com a natureza, conversas das coisas pequenas e simples do dia-a-dia, o desabafo dos problemas e a exteriorização dos sentimentos.
A Tia Laura estava sempre pronta para fazer uma canja quente quando a mãe estava doente, ou um leitinho creme com canela, se um de nós apanhava um resfriado.
O tio Manel, era o braço direito do meu pai. Ajudava-o no campo, na apanha da uva e quando havia obras em casa.
Enquanto a mãe lavava roupa na "Levada", as crianças realizavam-se nas suas brincadeiras cheias de sonhos e fantasias. E as mulheres confortavam-se sempre com uma palavra amiga "Deixa p'ra lá mulher... a vida é mesmo assim! Melhores dias virão!", "Já dizia a minha avó: não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe!"
Na “Levada”, umas vezes ouvia-as a conversar, outras a barafustar, outras a chorar… Mas o que gostava mesmo, era de as ouvir a cantar (fados antigos)!...
O mundo todo se concentrava ali naquele lugar.
Só ali naquela represa havia vida.
Era um ponto de encontro. O encontro no lavadouro onde tantas vezes se faziam milagres.
A "Levada" era um lugar mágico!...

Maria Cristina Quartas

Nota do autor: embora exista algumas pequenas coincidências deste texto com a vida pessoal da autora, este texto é apenas uma ficção baseada em muitas realidades da vida.

sábado, 24 de outubro de 2009

O desenvolvimento intelectual/cognitivo ao longo do ciclo vital: breve reflexão

Embora desde a Grécia antiga se hajam formulado diversas teorias sobre o desenvolvimento cognitivo e intelectual (a aprendizagem), as mais salientadas na educação contemporânea são a de Jean Piaget e a de Lev Vygotsky.

Tanto um como o outro postulam diferentes estádios de desenvolvimento, segundo as diferentes formas de pensamento cognitivo.

Segundo Piaget, a inteligência constrói-se progressivamente ao longo do tempo, por estádios ou etapas constantes e sequenciais, ou seja, de ordem invariável (sequencia regular).

Este autor apresenta-nos assim, 6 estádios diferentes:
- Estádio sensório-motor (dos 0 aos 18/24 meses);
- Estádio pré-operatorio (dos 2 aos 7 anos);
- Estádio das operações concretas (dos 7 aos 11/12 anos);
- Estádio das operações formais (dos 11/12 aos 15/16 anos).
Defendendo uma posição construtivista/interaccionista: as estruturas do pensamento são produto de uma construção contínua do sujeito que age e interage com o meio, tendo um papel activo no seu próprio desenvolvimento cognitivo.

Os estudos de Lev Vygotsky postulam uma dialéctica das interacções com o outro e com o meio, como desencadeador do desenvolvimento sócio-cognitivo. Para Vygotsky e seus colaboradores, o desenvolvimento é impulsionado pela linguagem. Eles acreditam que a estrutura dos estágios descrita por Piaget seja correcta, porém diferem na concepção de sua dinâmica evolutiva.
Enquanto Piaget defende que a estruturação do organismo precede o desenvolvimento, para Vygotsky é o próprio processo de aprender que gera e promove o desenvolvimento das estruturas mentais superiores.
É com base nestes estádios de desenvolvimento intelectual/cognitivo que o ser humano é construído intelectualmente ao longo de toda a sua vida.

Um outro autor contemporâneo também, muito interessante, é Erick Erickson. Este autor enfatiza a importância da interacção da pessoa com o meio que a rodeia. Para além destas fases faz referência às etapas de desenvolvimento ao longo da vida, ou seja, ao ciclo vital.
Influenciado por Freud a sua doutrina assenta na ideia de que o percurso existencial de cada indivíduo gira em torno da construção de um sentimento de identidade.
Apologista da teoria dos estádios, fala-nos que estes se desenvolvem pela existência de uma crise psicossocial ou conflito. O indivíduo ao interrogar-se sobre a sua identidade em cada um dos estádios alcança uma resposta diferente. Em cada estádio os indivíduos devem realizar uma tarefa diferente para passarem para o estádio seguinte.
Deste modo, refere-se a mais fases do que os outros autores. Mais concretamente, às fases: jovem adulto, adulto e idoso. Para cada uma destas fases são descritos os conflitos com que se debatem os indivíduos e a forma como os podem resolver.

O interesse particular de Piaget e Lev Vygotsky, e outros autores, nestes estudos nos primeiros anos de vida do indivíduo, prende-se com o facto de se considerar que os primeiros anos de vida são os mais relevantes e a base de todo o processo procedente do pensamento posterior no ser humano.

Na minha modesta opinião, e apesar de não discordar com a ideia base do interesse destes estudos, considero que ao longo da vida dum indivíduo, existe muito mais estádios para além dos 4 ou 6 apontados pelos autores. Ou até mesmo, para além dos 3 apontados por Erick Erickson.

É um facto também, que existe muito pouca literatura sobre estudos nas fases posteriores à adolescência.
Constatei pessoalmente isso numa pesquisa bibliográfica que tive que fazer para um estudo que efectuei na Faculdade de Psicologia – Universidade do Porto, sobre a 3ª idade.

Penso que ao longo da vida, passamos por variadas fases de desenvolvimento intelectual. Não sei se será um processo de sequência invariável ou não. Mas pela elaboração da estrutura do pensamento e dos esquemas mentais dai resultados, considero a fase adulta e 3ª idade fantásticas para áreas de estudo.

Pena que não haja mais investigação sobre isso, para que nas nossas Universidades pudesse haver um programa mais aprofundado e completo que contemplasse todo o ciclo vital, e não apenas a infância, em cadeiras específicas da Psicologia do Desenvolvimento.

Maria Cristina Quartas
Outubro/2009

A importância dos Amigos no nosso crescimento


Uma das coisas que mais me marcou recentemente foi eu me ter apercebido, a certa altura dentro de mim, uma mudança repentina. Se não foi repentina, foi de repente que me apercebi que estava diferente.

Muitas das vezes me questionava como era possível certas pessoas aguentarem alguns problemas tão difíceis e enfrentarem certos desafios bem complicados!

Naturalmente crescemos e vamos mudando as nossas formas de pensar e de ver o mundo. Valores e conceitos vão-se renovando e dessa forma assim, vamo-nos “actualizando” neste labirinto da vida.

Talvez a maioria das pessoas não se apercebem destas mudanças interiores porque não fazem uma auto-analise mais aprofundada, ou porque essa mudança vai sendo feita duma forma mais lenta (pelas circunstancias da vida) ou porque ainda não chegou o momento da necessidade dessa auto-reflexão.

Sem qualquer rigor científico, e com base naquilo que penso ser o desenvolvimento cognitivo/intelectual no indivíduo, estruturei as minhas ideias soltas em algo mais conciso.
Considerando apenas a fase da vida adulta, penso que as coisas possam ser esboçadas (mais ou menos) da seguinte forma:

Até aos 35-40 anos, poderíamos dizer que nos encontramos numa fase de formação. Fase essa, em que apenas absorvemos informação e nos apetrechamos dos instrumentos necessários para trabalhar o sentido da vida.

Só depois dos 40 até aos 50-55, entramos então, numa fase de estágio, em que começamos a aplicar os conhecimentos até ai adquiridos e a moldar as interpretações das coisas com base nas nossas estruturas até ai criadas.
Nessa fase, há certamente, necessidade de ajustar e refinar alguns conceitos e pensamentos, de forma a tornar mais compreensível o significado e sentido das coisas. E por conseguinte, mais adaptados às realidades da vida.
Se por um lado, tentamos adaptar as coisas com base nas nossas estruturas, por outro, há também necessidade de refinar e ajustar (por sua vez) essas mesmas estruturas internas.
Esta fase, embora com tendência à simplificação das coisas, é por sua vez, a mais complexa e que exige maior grau de aplicação e de esforço racional e inteligível. Por isso, é uma fase de reflexões profundas, de reconstruções, interpretações e de avaliações dos (pré-)conceitos, valores, princípios, etc...
Atingir o equilíbrio e a sensação da serenidade interior, passa a ser um dos objectivos a traçar essencialmente nesta fase.

Só depois, dos 55-65, entramos numa fase mais amadurecida da vida. A experiência vivida no seu sentido prático e as teorias que fomos formulando para a explicação das coisas que questionamos, permite-nos ter um sentimento mais arrojado e mais aptos a afrontar e suportar as intempéries da vida. Nessa altura, talvez já sejamos capazes de enfrentar qualquer situação duma forma serena e tranquila, porque sabemos que possuímos os instrumentos de trabalho necessários e que somos capazes de utilizá-los duma forma adequada. Predominando fortemente a assertividade e a ponderação.

Talvez, só depois dos 65-70, sejamos capazes de pegar nisto tudo e começar a saborear o verdadeiro sentido da vida. Sermos capazes de distinguir duma forma consciente e justificada o "trigo do joio". Sermos capazes de reter e esmiuçar o que realmente é importante e é proveitoso.

O período mais aprazível de se viver, seria (idealmente) a partir dos 70-75. Altura em que nos sentiríamos com maior força e vontade de viver. Irradiados pelo prazer do conhecimento de toda esta magnífica aprendizagem na maior e verdadeira Universidade – que é a Escola da Vida, sentiríamos também a responsabilidade de transmitir o que aprendemos. Duma forma humilde, natural, e simplificada.

Naturalmente que, ao reconhecermos as potencialidades que possuímos e a consciência da importância do conhecimento da vida, o nosso olhar perante a Natureza e o Mundo que nos rodeia, seria certamente algo que eu considero de mais maravilhoso e sublime.

Desta forma tão individualizada, que é no fundo o trabalho em cada um de nós, umas vezes alunos, outras professores, vamos prosseguindo nesta nossa existência não só para se aprender a viver, mas também para sabermos morrer.

Por tudo isto, há necessidade de aproveitar cada minuto, cada oportunidade que a vida nos apresenta. Pelo simples facto, de ela ser tão efémera na amplitude do próprio conhecimento.

Compreender a importância de nos conhecermos mais e melhor, nesta projecção intrínseca e extrínseca e compreender a necessidade da partilha e o valor daquilo que designamos por Amizade.

Partilhar com os outros, acaba por ser, a forma mais inteligente de estar na vida. Dar/receber numa perpétua busca da satisfação plena de que vale a pena viver apesar de efectivamente sermos individuais num trabalho que é da responsabilidade de cada um de nós.

E é ai que entram os Amigos, através da linguagem dos afectos, na partilha da dor e da angustia geradas neste nosso crescimento. Por outro lado também, para nos fazer lembrar, que a vida de tudo nos dispõe para seremos felizes - com os pequenos momentos de satisfação na realização das nossas conquistas e nos desafios ultrapassados.

Maria Cristina Quartas

Eles são…

Eles são...
duas chamas divinas,
são cristalinas,
São raios de luz.
São duas almas caridosas,
são graciosas,
as que te conduz.
São duas bolas de cor,
são cheias de amor,
que enchem a minha alma.
São duas estrelas,
são belas,
e que a tudo acalma.
São dois diamantes,
são brilhantes,
os teus olhos azuis.

Maria Cristina Quartas

A Vida

Bruma suave a leva
ao sabor do vento
na mais doce canção.
Desliza
e
rodopia,
passa rente pelo chão.

Lentamente se levanta
e
dança.
Baila livre
sem destino,
sem direcção.
Vive
e
sonha,
desfrutando com todo o prazer
a sua aventura
de livre viver.

Já cansada
não baila…
não dança…
fica pairando no ar.
Vivendo
sozinha com a solidão,
perde-se da coragem
e da fantasia.
Mas da sua liberdade… NÃO!

Maria Cristina Quartas

Canto da fidelidade

Serei fiel ao meu Amigo.
Estarei sempre ao seu lado nesta jornada.
Se preciso for, com ele subirei a mais alta montanha,
caminharei a mais longa estrada.

Serei fiel ao meu castigo.
Terei por ele o meu pago,
se assim o destino quiser
neste Mundo de pecado.

Serei fiel à Natureza.
Nunca a misturarei com infernos
ou com céus.
Foi nela que nasci e nela ma transformei
- Apenas um pouco de Deus.

Serei fiel ao amor.
Acreditarei nele com veracidade.
Mesmo sendo ilusão
para mim será a realidade.

Serei fiel ao Sol… à Lua…
Serei fiel à minha própria loucura.
E sendo fiel
à própria infidelidade,
serei sempre louca até à eternidade.

Maria Cristina Quartas

domingo, 18 de outubro de 2009

A virtualidade nos afectos (Texto adaptado por Maria Cristina Quartas)

A paixão virtual é um estado alterado de consciência, em que a pessoa concentra as suas energias numa fantasia. Apaixona-se pelo sentimento, pela felicidade, pelo sonho, muito mais pela imagem virtual do que pela pessoa real.
Há que reforçar que na paixão não se vêem os defeitos ou os problemas referentes ao outro, vêem-se apenas o estado de graça e o prazer... essencialmente dos sentidos.
Principalmente nesses casos de paixão virtual, as pessoas apaixonam-se mais por si mesmas, pela sua capacidade de seduzir e de se envolver, do que pelo outro. Não estando em contacto directo com o outro, a paixão que acontece é apenas um reflexo: "eu apaixono-me por estar apaixonado", "eu apaixono-me por uma sensação" em oposição a "eu apaixono-me por alguém".
Virtualmente, não existem pessoas feias. Basta ser simpático, que a nossa imaginação já transforma o outro em bonito, agradável, sensual. A sensualidade está nas palavras, não nas atitudes reais.
Todas as mulheres são bonitas e sensuais e todos os homens são bonitos e carinhosos, e somamos no outro tudo o que gostamos, porque é isto que procuramos no outro. É por essa imagem que acontece a paixão. Apaixona-se pelo que o outro "aparenta ser", não pelo que é. E através da comunicação virtual é muito mais fácil preservar o ego e mostrar apenas o que se decide mostrar, escondendo aquilo que apenas o convívio “desmascara” e põe a nu. E aí, quando as máscaras caem, é que se conhece a verdadeira pessoa e podem acontecer as desilusões.
A diferença fundamental com os encontros reais é que é possível manter a imagem por mais tempo. Por outro lado, os encontros virtuais são muitas vezes tão intensos, podem ser tão ricos, que depois de alguns contactos entra-se geralmente numa intimidade que a maioria das pessoas não se permitiria nos contactos pessoais.
O facto de as pessoas não se exporem visualmente facilita ainda mais a abertura das emoções. Ao contrário dos encontros pessoais, em que a espontaneidade conta muito, nas mensagens via Internet a pessoa pode repensar as palavras, usar citações de outros que acha interessantes para a sedução ou elaborar o texto de forma a surtir maior efeito. A máscara, inevitavelmente, forma-se.
Na vida real, onde a aparência física é o principal chamariz (principal porque a “cotação” sócio-económica também e ainda tem bastante peso relacional) e só tem contacto com o lado animal, intelectual, depois com o emocional e afectivo... e só depois, às vezes, com o físico. Já nas relações virtuais as pessoas procuram e encontram companhia, cumplicidade, carinho, não importando muito a apetência para o sexo ou condição económica do interlocutor. Os limites físicos (corporais e de distância) não pesam.
Assim, atrevo-me a deixar dito que a internet é o local onde mais existe a possibilidade das "almas gémeas" se encontrarem, onde se abrem as emoções, onde se encontra sempre carinho e aceitação. Nunca foi tão fácil aproximar-se das pessoas. As "amizades" surgem de um dia para o outro, basta estar aberto a elas.
No entanto, algumas pessoas aproveitam-se do anonimato para criar uma personagem, ou seja, mostrarem-se conscientemente diferentes do que são.
Esse diferente nem sempre quer dizer uma mentira: muitas vezes a pessoa mostra-se como gostaria de ser, mostra o seu lado reprimido: o tímido transforma-se em eloquente, o feio em galã, o velho em jovem, o gordo em elegante. Embalada pela fantasia, a pessoa vende uma imagem ideal, a qual, enquanto está travestido, chega a acreditar ser. Este acaba por se tornar o principal motivo das decepções no momento do encontro pessoal: cria-se uma expectativa de que o outro seja aquilo que eu fui construindo no meu imaginário, por aquilo que eu fui apreendendo (ou que quis apreender), essa imagem nem sempre corresponde à realidade ou raramente corresponde à verdade.
Essa imagem ideal também pode ruir antes do contacto pessoal, por causa de uma "fofoca", ou de pequenos problemas de relacionamento on-line. O problema maior, em geral, não está na pessoa que transmite a sua imagem, mas na que gera falsas expectativas…
Contudo, o impensável também acontece, a paixão de uma via pode ser compartilhada e assumida por inteiro pelas partes, e a verdade ser mais "verdadeira" que a fantasia ou a ficção. A paixão pode tornar-se simplesmente em sentimento sólido e ultrapassar o inicialmente possível, pode encontrar terreno fértil no interlocutor e cultivar um significativo amor, ou uma sólida e apaixonante amizade. Não é o facto de ser inicialmente virtual e encaminhada num só sentido que impede, corta ou reduz a necessária vontade de amar e ser-se amado, pois esta função faz parte integrante dos novos conceitos de necessidades básicas de todo o moderno ser humano.
A fantasia, embora em diferentes graus faça parte do jogo da sedução, e consequentemente dos afectos, estimulada pela necessidade, induz os actores a partilharem mais do que simples desejos, imagens ou realidades, mas a trazer um contributo objectivo para uma relação que mesmo fortuita e fugaz, não deixa de satisfazer as necessidades de cada um em particular e dos dois no seu pleno. A fantasia é por isso o rastilho que, quer na internet, quer na vida real, faz explodir corações de amor ou ódio. E assim define a carga dos afectos, positiva ou negativa.
E se assim é, então, a vivência fantástica de um EU ou de um TU, necessariamente terá de partir da fantasia, que sendo ela subjectiva e por isso de alguma forma virtual, contribuirá para acalmar os corações e apagar muita da solidão que os atormenta. A troca de afectos funcionará, por isso, sempre nos dois sentidos: dar/receber e vice-versa.

Maria Cristina Quartas
Outubro/2009

(Do original: Leila Urioste Rosso “ O Perfil dos Usuários da comunicação Mediada por Computador: uma abordagem psicológica”, Brasil 2005.)

Sempre vivo no meu coração este grande Amigo e Mestre - Dr. António Madeira Pina

TEMPOS VÊM, TEMPOS VÃO

Os tempos vêm. Tempos vão
Com todos os seus contrastes.
Velhas folhas cairão...
Nascerão outras nas hastes.
Airosa e sedutora,
Risonha na sua dança,
Se hoje é encantadora,
Amanhã nem semelhança.
Que faço eu nesta vida?
Pergunto de quando em quando.
Se tiver missão cumprida
Não estacionei, eu ando.
Quem os instintos domina
Mat'rialidade calma.
Aureola sua alma
O espírito não declina.
Copo abaixo, copo acima,
Ciclo do alcatruz da nora.
Vida do Homem se aproxima.
Quando há má hora ou boa hora.
Nesta vida a correr
De desértica miragem,
Não há tempo de o ser
Pensar que não tem paragem.
O velho já alquebrado
É jovem envelhecido.
Recordações dum passado
Já de há muito fugido.

ANTÔNIO MADEIRA PINA
Poeta Português.

Homenagem ao Dr. António Madeira Pina

Deixou-nos o Dr. Madeira Pina. A luta que travou com a doença de que padecia teve o seu fim no dia 13 de Agosto de 2005. Partiu tendo já completos 90 anos, festejados no dia 13 de Fevereiro do corrente ano. A sua partida deixou em nós e, estou certo, em todos os companheiros de Doutrina uma enorme saudade e um profundo vazio. O Dr. Madeira Pina foi presidente da Filial do Porto do Racionalismo Cristão, cargo a que se entregou de corpo e alma desde o momento que, em Portugal, foi permitida a liberdade religiosa e o direito de associação. Mas mesmo antes, durante o período em que a Filial Porto esteve encerrada pela polícia política, reunia-se com companheiros sigilosamente, em sua casa, onde tinha consultório, afastando desse modo a ideia de ajuntamentos, de modo que a Doutrina continuasse sempre viva até melhores dias, o que só veio a suceder com a Revolução de 25 de Abril de 1974.Foi então que o Dr. Madeira Pina, com a prestimosa colaboração de sua esposa, a ilustre e admirável dona Amélia Xavier Pina, encetou diligências no sentido de legalizar a Filial Porto, elaborando os seus estatutos, que, após submissão às autoridades judicial e administrativa competentes, foram aprovados no seguimento de autorização daquelas, passando, então, a Filial a existir como Associação. Assim, o Centro Redentor do Porto reabre suas portas ao público, ultrapassados certos obstáculos impostos pelo obscurantismo, e graças, sobretudo, ao empenho, à inesgotável energia, tenacidade, aguda inteligência e dinamismo do casal Madeira Pina. As magníficas doutrinações explanadas pelo Dr. Madeira Pina, nas sessões públicas, em breve, alcançaram notoriedade e motivaram a afluência do público que, quer por curiosidade, quer por problemas de ordem espiritual, enche o salão das sessões. Respirando firmeza de convicções, o Dr. Madeira Pina vê-se rodeado por companheiros que se oferecem para colaborar nas sessões públicas, dentre os quais alguns são preparados e incitados a presidir. O Dr. Madeira Pina é, também, uma referência incontornável da expansão do Racionalismo Cristão em Portugal. Pois é graças ao seu permanente contacto com os correspondentes que começam a surgir, ao seu espírito de solidariedade, que alguns, rapidamente, evoluem para Filiais do Centro Redentor. Foi o que sucedeu com as Filiais Lisboa, Viseu, São João da Madeira e Aveiro. E esta entrega à Doutrina racionalista cristã foi efectiva até à doença que o reteve em casa e o vitimou. Profissionalmente, o Dr. Madeira Pina foi um distinto e prestigiado médico da cidade do Porto, e por sua enorme dimensão humana e científica era muito querido e respeitado pela sua ampla clientela. Homem de cultura e notável sensibilidade poética, deixou obra (poesia), inédita ou publicada, mas limitada à oferta a amigos. Recheadas de sentimento, nelas ele perpassa com mais ou menos transparência os valores e princípios Racionalistas Cristãos. Senhor de vasta biblioteca, doou grande parte dela à Biblioteca Luiz de Mattos, da Filial Lisboa, muito a enriquecendo. O momento que nos leva a escrever é naturalmente de tristeza, para nós e para todos aqueles, que são muitos, que partilham o mesmo sentimento de perda de um amigo, que foi simultaneamente um grande líder do Racionalismo Cristão em Portugal. É tempo de exprimir o nosso respeito e apresentar nossas solidariedades públicas à excelentíssima família, prestando esta singela, mas sentida homenagem ao amigo, ao ilustre companheiro, ao homem de cultura, que sempre foi.

(Antonio do Nascimento Gomes)

Metade


Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.

Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corroe por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflicta em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é a plateia e a outra metade, a canção.

E que minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade... também.

(Oswaldo montenegro)

Os Amigos

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objecto dela se divida em outros afectos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.
E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!
Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências...
A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem.
Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida.
Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar.
Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos.
Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure.
E às vezes, quando os procuro, noto que eles não tem noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.
Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles.
E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.
Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.
Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer...
Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos!
A gente não faz amigos, reconhece-os.

(Vinícius de Moraes)

O acordar

Por instantes, ela parou,
em frente do espelho.
Com um certo receio
levantou a cabeça,
e se olhou.
De tão perto estar,
longe se sentiu,
desconhecendo-se a si mesma.
Um frio lhe percorreu o corpo.
E,
teve vontade de chorar.
No seu rosto, o tempo
gravara as marcas duma vida.
Dum passado tão fugaz,
numa passagem tão despercebida.
O tempo se fez aquele instante,
e aquela imagem,
se fez nela.
Observou o espelho.
Observou-se em si mesma.
Com melancolia e desilusão
acariciou seu rosto.
Suas mãos enrugadas
continham a brancura da delicadeza:
dedos finos, encurvados,
instrumento de trabalho e lavor,
das horas sem fim,
a lavar, a cozer,
a afagar com amor.
Lentamente
afagou seu cabelo alvo,
cunho das horas perdidas,
feição do tempo,
marcas das emoções sentidas.
E seus olhos…
Esses,
apesar de tudo
continuavam vivos e atentos
como há vinte, trinta, quarenta anos atrás.
E,
Subitamente um lindo sorriso
quebrou a desilusão daquela imagem…
Da dor ao amor,
assim ela se sentiu.
Porque apesar de tudo,sentia-se ainda viva

Maria Cristina Quartas

A lágrima

Ansiosa e tímida
ela quer-se libertar.
Tenta ganhar força,
e mostrar tal qual é.
Tem medo,
e recua;
Tem vergonha
e esconde-se.
Aperta os dentes e cerra os punhos,
numa atitude de coragem.
Mas… ainda não se sente preparada,
para enfrentar o mundo.
A angústia e a nostalgia
apertam-lhe o peito.
Sente-se perdida e desamparada.
Sem nada que a prenda e diga:
“Fica”.
Aventura-se
e espreita.
Trava a respiração:
“ É agora ou nunca!...”
E… solta-se num suspiro profundo
De libertação.
Desliza,
lentamente…
da forma mais cuidadosa
E firme de se mostrar.
No silêncio
cai a lágrima
e com ela o calor da aventura.


Maria Cristina Quartas
1989

Sonhar...

… é encontrar de olhos fechados
o que com eles abertos
não encontro;
… é voar para o infinito
com os pés assentes no chão;
… é cantar melodias ao luar
para tu escutares.
- Olhar para ti e sentir que “tu” és “eu”;
… é olhar o mar,
sentir toda a sua força
e sede de amar;
… é sentir o perfume
duma rosa cheia de espinhos;
… é comer um fruto
que a terra ofereceu.
- beber duma fonte
a água cristalina e doce
numa manhã de Primavera;
… é correr para a tua sombra
à espera que me abraces;
… é esperar o raiar d’aurora;
… é viver de recordações de momentos nunca vividos;
… é crer naquilo que tu não crês;
… é sentir força de viver, e dizer: Sou feliz!
Sonhar é acreditar naquilo
que mais ninguém acredita.
Porque sonhar
é uma forma de viver
e é a razão do meu existir.

Maria Cristina Quartas
1982

Labirinto

Por entre caminhos percorro
nesta encruzilhada da vida.
Encontros e desencontros
deambulando perdida.

O tempo assim me leva,
num espaço indefinido,
num caminho imaginário.
Num espaço-tempo dividido.

A bússola que me orienta
desnorteia-me nesta realidade.
Já não sei se hei-de ir em frente
ou se hei-de ficar parada.

Como me posso eu guiar
num caminho sem orientação.
Procuro fora de mim
o que me faz dentro confusão.

Neste atalho em que me devaneio
perco o sentido, o lado certo.
Em quimeras, em ilusões
Já não sei se estou longe ou se estou perto.

Perdida neste labirinto
teço a teia que me envolve.
Sou presa em mim mesma,
sou puzzle que não se resolve!...


Maria Cristina Quartas
1997

O jogo da vida

Neste jogo da vida
joga dados, atira dados
aposta em cada saída.
Sempre na esperança de triunfar,
vai em frente sem parar.
O jogo é aventura,
sem a qual não há gozo de se viver.
Se parares, não vives.
Porque parar é morrer.
Acredita no destino
pois só tu o podes fazer.
Por mais difícil a jogada
não de te deixes vencer.
Nesta meta a que te propões
crê com força no teu ser.
Não haja nada,
nem ninguém
que te faça temer.

Aposta em ti,
aposta no jogo da vida.
E sabe certo
que chegarás ao fim
com a tua jogada vencida.

Maria Cristina Quartas
2006