António Delgado's Photos - Wall Photos
"Há horas que tirei esta imagem já pouco comum em Portugal. Parece retirada do filme a Um modo de vida que foi muito comum das mulheres portuguesas do campo: o lavadouro. Lugar onde a vida da aldeia era revista: trocava-se e levava-se informação. O equivalente da taverna para o homem!".
"Há horas que tirei esta imagem já pouco comum em Portugal. Parece retirada do filme a Um modo de vida que foi muito comum das mulheres portuguesas do campo: o lavadouro. Lugar onde a vida da aldeia era revista: trocava-se e levava-se informação. O equivalente da taverna para o homem!".
Parece que sinto o cheiro do sabão "Clarim", e vejo as rodilhas velhinhas (algumas já com buracos), branquinhas, a marinar na lixívia com OMO.
Faziam parte dos meus brinquedos uns bonequinhos de plástico que saíam nesse detergente. Eram uns pequeninos, verdes escuro... figuras de guerreiros. Havia também umas balancinhas de várias cores….
Ai como eu gostava quando a minha mãe comprava uma caixa nova!....
Eu e o meu irmão, púnhamos à sua volta, numa ansiedade incrível, a ver o que ia sair. Se o boneco fosse repetido, ficávamos tão chateados… que até chorávamos (“Mãe, compra outra caixa!”).
Mas se o boneco estivesse em falta… que alegria era a nossa! E era certo sabido, que naquele dia, eu e o meu irmão nos íamos pegar. Ambos queríamos ser os primeiros a querer colocar o nosso pequeno guerreiro, em frente ao terrível batalhão por nós idealizado, naquele mundo de miniaturas do OMO.
De manhãzinha, pouco depois do sol nascer, lá ia a minha mãe, as minhas tias e mais umas vizinhas para a "Levada" lavar a roupa!...
Umas bacias enormes à cabeça, o balde no braço... e ainda havia 1 ou 2 mãos ocupadas comigo, com o meu irmão e os primos.
Pelo caminho, o meu narizito ficava congelado e as faces vermelhitas... primeiro era o frio e o sono. Depois o calor de tanto andar!
Chegávamos à "Levada".
A água era límpida... e o barulho dos regatos fresco...
Enquanto a água se manchava de sabão... as conversas iam nascendo ("Oh tia Laura, atão o tio Manel ontem disse ao meu Tone, que as suas pitas parideiras estão com o piolho?"). As conversas desenrolavam-se e no meu mundo de criança eu imaginava-me peixinho dentro daquela represa a comer as bolinhas de sabão...
Enquanto as bolinhas de sabão se faziam, ouvia-se um “cuac, cua”, dum pequeno sapo saltitante e mais lá à frente, num galho seco dum cedro, um “pirripiupiu” dum pintassilgo que nos vinha visitar.
A roupa era lavada. As conversas eram postas em dia. Havia a companhia das vizinhas e das parentes... e nós, crianças, brincávamos ao "faz de conta" com muita fantasia e felicidade.
Chegávamos a casa e as roupas eram estendidas na corda, outras a corar no chão...
Ao fim do dia, o pai chegava cansado... e ia até à taverna, falar com o tio Manel e outros amigos… Falavam do tempo, do preço do vinho e da batata, contavam anedotas picantes...
Não havia televisão, nem Powermen... mas havia o contacto com a natureza, conversas das coisas pequenas e simples do dia-a-dia, o desabafo dos problemas e a exteriorização dos sentimentos.
A Tia Laura estava sempre pronta para fazer uma canja quente quando a mãe estava doente, ou um leitinho creme com canela, se um de nós apanhava um resfriado.
O tio Manel, era o braço direito do meu pai. Ajudava-o no campo, na apanha da uva e quando havia obras em casa.
Enquanto a mãe lavava roupa na "Levada", as crianças realizavam-se nas suas brincadeiras cheias de sonhos e fantasias. E as mulheres confortavam-se sempre com uma palavra amiga "Deixa p'ra lá mulher... a vida é mesmo assim! Melhores dias virão!", "Já dizia a minha avó: não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe!"
Na “Levada”, umas vezes ouvia-as a conversar, outras a barafustar, outras a chorar… Mas o que gostava mesmo, era de as ouvir a cantar (fados antigos)!...
O mundo todo se concentrava ali naquele lugar.
Só ali naquela represa havia vida.
Era um ponto de encontro. O encontro no lavadouro onde tantas vezes se faziam milagres.
A "Levada" era um lugar mágico!...
Maria Cristina Quartas
Nota do autor: embora exista algumas pequenas coincidências deste texto com a vida pessoal da autora, este texto é apenas uma ficção baseada em muitas realidades da vida.
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