segunda-feira, 20 de setembro de 2010

"Rio de Ouro", pelo Prof. Dr. Mário Anacleto



http://www.youtube.com/watch?v=rmafNVimRbI

As carruagens eram a película do filme
desbobinando rio acima lentamente:
ora sombra, ora sol a desmaiar,
tudo se via no espelho do rio de ouro
onde o céu se remirava num manto de turqueza
e o recorte das montanhas era o cenário
onde minha alma suspensa vivia,
numa aflição de não saber se era o céu o rio,
ou a água o manto divino que o céu cobria.

Se olhava o alto, via o céu da mesma cor,
se olhava o rio via o reflexo do mesmo céu
Se olhava o monte via os seios das montanhas
se olhava aquele rio, sereno como o firmamento,
via as estrelas aguadinhas por beijar
se olhava o céu via as estrelas sorrindo em raios
e qual das naturezas não sabia
se fosse aquela que sempre sonhei poder haver
ou se aquela que assim surpreso via.

Bem aventurado são os rios tão limpos
como os pecadinhos que se desenham nos ares
que as oliveiras me atiçam com o verde de cetim
com o toque oleado de suas folhas em lança!
Ai quem me dera vegetar na carapaça das amêndoas
e ser o grão mais doce de comer!
Bem-aventurados homens, mulheres e seus avós
a tecerem de xisto e cardos um vestido de princesa
a romper, serra acima, desde o rio até às Mós!

Era a lua tão gorda como se já no fim do tempo
para se mirar no leito e dar à luz aqueles montes
que se dão ao rio embriegado de licor e de fermentos
de um vinho novo a escorrer na minha vida.
Pedi-lhe a ela que me beijasse de mansinho
que me não ouvisse se eu sonhasse.
Adormeci cruzado nela que se não acanha,
da cabeça até aos pés, a noite inteira.
E acordei serenamente no regaço da montanha.