sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

"A caminho de Sta. Bárbara" - 2ª Parte, por Maria Cristina Quartas


Seis horas da manhã. Levantávamos em silêncio e metíamo-nos do Volkswagen cinzento, carregado com as malas para todo o tempo que íamos estar na aldeia.

A viagem era longa - 8 horas. Oito horas de caminho até à aldeia das Mós. Oito horas a caminho de Sta. Bárbara.

As estradas eram em paralelo. Estreitas e cheias de curvas. Íamos por Mesão Frio, Régua, Horta, Murça, Touça... em direcção a Vila Nova de Foz Côa.

Parávamos várias vezes pelo caminho para arrefecer o carro, fazer “chichi”, merendar e descansar um pouco de estar sentados.

Pelo caminho, acima da Régua, encontrávamos recantos maravilhosos para merendar.

Nesses lugares, havia espaço para estacionar o carro.

Uma ou duas mesas, bancos de pedra e uma fonte, que eram autênticas obras de arte. Em pedra trabalhadas e com água pura das nascentes que esvaiam pelos montes - fresca, límpida e leve.

A mãe fazia bolinhos de bacalhau, frango estugado, bacalhau frito. Levava sempre também, um tacho de arroz, que era envolvido em jornal, para se conservar quente até à hora da refeição (tinha um sabor especial. Muito bom mesmo!).


Pelo caminho comprávamos regueifas em Paredes para levar à tia Maria, ao Tio Ivo e ao Tio Elísio. Era melhor que pão de ló, o pão da cidade!

Parávamos sempre nos locais certos. Eramos pontos que o pai demarcava como pontos de referência: para descansar, comer e saborear as paisagens dos vales e do rio Douro.


Eram sempre os lugares mais aprazíveis do caminho. Acima da Régua, na berma da estrada, ao lado do rio Douro, havia lá uma fonte com água muito fria. Mesmo gelada em pleno Verão quente.

Enquanto comíamos conversávamos. E eu e o meu irmão estávamos sempre com as traquinices de criança.

Mesmo à hora das refeições havia disputa entre nós, pelo pedaço mais apetecível. “Come rapaz, deixa de ser invejoso. Sais ao teu tio. Oh, que raio de feitio!”.

Sentia-me invadida pelo meu irmão, mas não gostava que o meu pai dissesse aquelas coisas. Havia uma relação de amor e ódio. Mas as disputas e competições eram também uma forma saudável de nos relacionarmos. O desafio pela competição mantinha-nos unidos.

Naqueles recantos de descanso, vivíamos alguns momentos fantásticos!

As águas do Douro eram calmas e serenas. Pequenas ondulações bailavam ao longo do seu leito a caminho da sua nascente. “Mãe porque é que o rio anda para trás?”. A minha mãe sorria e dizia que as suas ondinhas eram “carneirinhos” da água!

De repente, ouvia-se o assobio afunilado e prolongado dum comboio, movido a carvão e o barulho da sua engrenagem nas linhas que contornavam as serras no outro lado da margem do Douro, ao longo do seu leito: um comboio a caminho de Barca de Alva!

Entre as margens do rio, planava um espelho de águas límpidas, que reflectia a beleza de toda a natureza serrana. O rio tinha vida, na imagem em movimento do lagarto vermelho a fumegar (uuuuu.. ttt ttt ttt tt u-uu- ttt ttt ttt uuuuuu).

Parávamos a olhar o comboio que, de repente, aparecia dum buraco escavado no monte e descrevia harmoniosamente as curvas e contra curvas do relevo irregular da base da encosta. Parados a admirar a lagarta fumegante e dizíamos-lhe “adeus” acenando.

Parecia que nos entendia com a sua linguagem locomotiva e nos sons que emitia. “Um comboio feliz a deambular graciosamente e que passava ali só para nos ver!”, pensava eu, sempre que lhe acenava e ele correspondia com o seu apitar de contentamento.

Depois de merendarmos, guerrearmos e sentirmos o aconchego do carinho dos pais, lá seguíamos a viagem ao encontro de Sta. Bárbara.

Normalmente, eu e o meu irmão dormíamos uma boa parte do caminho.

Regressávamos ao carro para prosseguir a viagem. No banco era demarcado o meio do assento, e só era permitido transpor aquela linha se fosse para dormir. Eram as regras do nosso jogo. O meu irmão fazia as regras, e era muito exigente comigo. O único que tinha excepções era ele. Porque afinal, ele era o dono dos jogos!

Os primeiros sintomas da aproximação da aldeia eram os cheiros a fumados. Andávamos quilómetros sem fim para encontrar um aglomerado de casinhas rusticamente portuguesas. Pela estrada lá iam aparecendo uns velhinhos agarrados a um pau, outros sentados às soleiras das portas. As crianças brincavam à bola e às caçadinhas na estrada. Um burrinho carregado de ramos secos, ou dois cestos de fruta. Pela estrada fora, éramos surpreendidos com as mais variadas coisas inesperadas: um coelho a atravessar a estrada, uma raposa, uma cobra, uma águia…

Havia uma coisa particular, perdida nos montes desertos, que eu gostava muito: eram umas casinhas pequeninas brancas. Umas eram pombais (construção branca com design redondo, tipo moinho, com telhado raso inclinado). A finalidade daqueles espaços era a recolha de excrementos dos pombos para adubar as terras. Com uma estrutura arquitectónica planeada, eram construídos de forma a que os pássaros fossem lá alimentar-se de cereais colocados e, ao mesmo tempo, depositassem os seus excrementos. Essa matéria era recolhida, e era o adubo daqueles povos isolados nas aldeias vizinhas. Por outro lado, servia também de resguardo e armazenamento da agricultura periférica.

Um outro tipo de construção típica era as casas dos cantoneiros. Havia umas casinhas com um espaço pequeno (4 paredes e apenas uma entrada, com um banco em pedra ou de cimento junto à parede interior). Situava-se nas bermas das estradas e tinham como finalidade resguardar os trabalhadores da rodoviária, naqueles lugares desertos, das intempéries e também servia para descansarem e fazerem as suas refeições.

Passávamos em zonas que pareciam autênticos paraísos por meios dos montes e das montanhas. Havia zonas muito rochosas. Lembro-me de ver uns grandes penedos que pareciam bolas gigantes! Nas mais variadas posições pareciam ter sido postos ali por um ser gigante.

Muitas vezes encostados por uma pequena ponta numa encosta do monte. E eu perguntava à minha mãe, se aquele rochedo não ia deslizar pelo monte abaixo! A minha mãe dizia que a Natureza era linda e que o milagre dela estava na sua beleza e nas coisas que pareciam impossíveis.

Grandes campos cheios de plantas silvestres: amarelas, brancas, lilás, castanhas, beges e verdes. Umas vezes grandes planícies: Outras vezes, montes enrugados. As montanhas alongavam-se na plenitude do azul do céu. Uma vez com ondulações suaves, outras em formas crispadas cortadas por vales profundos e sinuosos.

Nas entranhas desta maravilhosa Natureza, o rio Douro infiltrava-se rasgando veios em todas as direcções.

Fazíamos dezenas, centenas de quilómetros percorrendo estradas cavadas naqueles vales sem fim.

As sensações ao longo desta viagem eram muitas. Uma vezes siderados, outros amedrontados, outras surpreendidas, com as mais variadas surpresas selvagens e da vida transmontana.

Uma pequenina fonte situava-se na berma da estrada do lado esquerdo. Um muro baixinho de pedras transmontanas caiadas de branco desenhava uma meia-lua.

Era o penúltimo ponto de paragem obrigatório. O carro parava e saíamos.

Os ouvidos estavam meio surdos e sentia-se um zumbido confuso na cabeça.

O silêncio era imenso. Ouvia-se um leve piar dum pássaro vadio e um “gri gri” dum qualquer animal.

Respirávamos fundo e esticávamos os braços e as pernas do tamanho da paisagem que dali se avistava.

Lá longe, um aglomerado de casas. Finalmente, Freixo de Numão!

Mais meia hora apenas, e já estaríamos no Largo das Devesas (no lindo Largo das Devesas).

Àquela hora, já a tia Maria estaria à nossa espera, com um saco de grão, maçãs perfumadas e uma velha garrafa de azeite.

No rosto do meu pai sentia-se uma felicidade imensa. Esquecia os problemas, as doenças, as dificuldades da vida. As Mós era o seu aconchego, o seu verdadeiro espaço. Era o paraíso onde queria estar no momento da sua partida.

Respiramos já um pouco do ar das Mós e de Freixo de Numão. Era um cheiro diferente. A água da fonte da Horta, tinha também já o sabor das Mós e de Freixo de Numão. E até a terra do chão tinha já vestígios daquele lugar!

Horta começava a ficar para trás, e logo a segui Murça, Touça… Uma grande placa apontava Vila Nova de Foz côa. Não, não era por ali. Virava-se à esquerda em direcção ao verdadeiro paraíso dos sonhos do meu pai.

O terreno era plano. Longas planícies airosas e muito cuidadas – Freixo de Numão à vista!

No Largo das Devesas, lá estava a Tia Maria com o saco na mão e os braços abertos à espera de abraçar a sua irmã.

Os abraços eram sempre muitos e as lágrimas também. Por fim, a tia dava o seu saco, e o pai entregava-lhe a regueifa cansada da longa viagem.

O “adeus” era até breve. “Oh Fernanda vinde para aqui. O Antoninho gosta de vos ter cá mulher! Já temos as alheiras defumadas e o presunto já esta bom na salgadeira… Oh catano! Tem algum jeito aquilo lá nas Mós?! Oh que raio de terra triste! Nunca por lá passou Cristo! Vinde mas é para aqui com as crianças que andam à vontade e temos televisão“ (era a preto e branco e só tinha a RTP1).

Por vontade da minha mãe, ficávamos ali mesmo e nunca mais dali sairíamos.

Mas o destino não era aquele. Por isso, havia que seguir caminho.

As lindas paisagens planaltas começavam a ficar para trás. Aquela estrada velha e estreita era a que ia para a estação do caminho de ferro de Freixo de Numão.

Os barrancos eram agora mais sombrios, mais estreitos. Passávamos a pequena aldeia de Seixas e pouco mais adiante uma seta à direita “MÓS”.

Contornávamos a ferradura fechada e sobre socalcos de terra batida seguíamos a caminho das Mós, a caminho de Sta. Bárbara.

Parecia que nunca mais lá chegávamos. Nem vestígios de alma viva! Passávamos os últimos montes até lá chegar. Passávamos em frente ao Bacelo, e ao virar do 3º monte, no útero de todas as montanhas e vales do mundo… na terra onde nunca passou Cristo… lá estava a pequena e linda aldeia das Mós.

Ainda da estrada, quando já se começava a avistar a capelinha lá no alto, perto do céu e dos Deuses… a Sta. Bárbara!

Um pouco mais abaixo, na encosta do recinto do encontro do Deuses, uma sólida casa de pedra cinzenta irregular e dois telhados bicudos, de telha alaranjada, da Fábrica de Cerâmica de Ermesinde: a casa do Vale Trigo.

O pai dava 2 buzinadelas e, do outro lado do vale, num alto apogeu, o tio Ivo acenava de contentamento.

Enquanto o carro seguia, os “adeuses” eram muitos. Via a minha prima Luzinha, depois o primo Alfredo e a tia Alda… Era o momento do reencontro. O momento em que tudo ficava para trás.

Na terra “onde nunca passou Cristo”, não haviam horas, não havia passado nem futuro. O tempo era só um. O tempo que ficou eternizado há 50 anos atrás. Era inconfundível o cheiro e as pessoas. O ar, os montes, o céu, o sol….

O Adérito Afonso Quartas estava a chegar. O carro que se via na estrada, era o do Adérito. “Eles vieram para a Festa!. Estão cá com os pequenos mais novos a passar férias. Ah se o Manuel Quartas fosse vivo! Que alegria seria!”

No Largo do Terreiro, um grande olmo centenário (190 anos) cobria o largo todo. Sentados num murinho baixo, que contornava o largo, ali estavam com as pessoas do costume. O pai punha-se a mencionar os nomes “tio Elísio Reto, Ivo, Amadeu Andrade, José Bichança, Zé do Burro, Tiaita, primo Manuel, Varandas”.

Na fonte, as mulheres esperavam a sua vez de encher os cântaros (Luz Tosca, tia Maria, Alda, Humera). As crianças começavam a aparecer e corriam em direcção ao carro. O pai parava ali mesmo no centro do Largo do Terreiro e ficávamos rodeados de crianças. Punham a mão nos vidros, sorriam, chamavam: “Oh menino, anda brincar connosco”. “Como te chamas menina? Olha que lindo vestido ela tráz! É filha do primo Adérito Quartas! É nossa prima. É Quartas também!”.

Atravessávamos a Aldeia em direcção ao Castelo. Em direcção a Sta. Bárbara.

Por caminho de cabras, por entre oliveiras, amendoeiras e poeirada gincavamos até à casa do Vale Trigo.

Finalmente! Finalmente chegávamos ao destino.

“Pronto, já cá estamos!”

À entrada da porta havia ervas enormes… secas. “Cuidado com as cobras Adérito” dizia a mãe. Com uma chave enorme em ferro preta, abríamos a porta.

Pelo “buraco do gato” algum pó e ervas tinham entrado.

Antes de colocar as malas, havia uma limpeza geral: abríamos as janelas, sacudíamos os colchões, abríamos a mala da sala e colocávamos os cobertores na varanda a “tomar ar”.

Já tudo estava nos sítios e o tio Elísio Reto (Elísio Diogo) milagrosamente aparecia. Levava 2 cântaros de água. “Oh tio Elísio, como soube que cá estávamos?!”

“Pois então, eu sou adivinho! Então não sei se vocês estão aqui?! Toda a aldeia já sabe.”

Uma voz muito fininha e fresca “tio Adérito! Oh Cristina. Prima!”. Era a Luzinha.

A luzinha era a minha prima favorita (Maria da Luz). Éramos muito parecidas. Logo atrás, vinha o Alfredo “Então prima!”. Alto, moreno, um sorriso aberto e os olhos a brilhar “Atão prima, já cá estás? Quando vais embora? Vindes para a festa, não vindes? Este ano é que vai ser bonita! Vai cá estar um conjunto e vem a banda dos músicos de Ferreirim. Ides ficar cá algum tempo, não?”.

Por vezes, ficávamos a olhar apenas uns nos outros. Não havia palavras. Não saiam, porque o sentimento era forte e apenas era “bom, muito bom”. Bom de sentir os primos, das nossas idades… e saber que ali iam para nos dar as boas vindas e mostrar a sua alegria de ali estarmos.

O sol começava a esconder-se. Longas manchas de sombras começavam a tapar os montes. “Vá, vamos embora. Daqui a pouco é noite e não vemos o caminho.” E lá se iam embora os primos que eu queria tanto que ali ficassem connosco para brincar! E ali ficávamos nós os quatro, naquele silêncio absoluto. Longe de tudo e de todos.

Estava calor. Muito calor.

Sentavamo-nos no pátio cimentado, junto ao caminho do Vale Trigo, nuns bancos compridos em madeira, pintados em vermelho, que o pai tinha feito.

Calados. A ouvir o silêncio.

A mãe gostava de se sentar num banquinho pequeno, e com uma toalha sacudia as moscas, que eram às dezenas (e chatas!). Enquanto se defendia das incómodas visitantes fazia um pouco de aragem.

O pai muito calado, sentado de pernas cruzadas e mãos sobrepostas no colo. O seu olhar era um misto de alegria e de profunda tristeza “É aqui que eu quero estar, porque não vou durar muito tempo” dizia ele com um ar pensativo!

Os dias repetiam-se numa paz e silêncio imensurável.

Não tínhamos televisão, não tínhamos luz.

Os únicos movimentos que ali havia a passar, eram sempre os mesmos – Amadeu Andrade com o seu macho, Tiaita e José Bichança com os rebanhos. Todos os dias ali passavam pela manhãzinha e ao fim da tarde.

Mas havia um transeunte especial - o António Calça.

Na albarda do seu burrinho, trazia um grande cesto em cada lado cheio de uvas e parras, figos e laranjas. A mulher ia sentada de lado, junto aos cestos. Enquanto o seu marido seguia em pé à frente do animal, segurando a corda que prendia. Compassadamente desciam o caminho, enquanto o andar do animal fazia embalar toda a mercadoria que trazia ao lombo. “Oh Adérito! Grande amigo! Então já vieram do Porto? Vão cá estar muito tempo? Vou mandar cá o meu Zé Luis com uma mão cheia de batatas e algumas cebolas. Já vos dá para uns dias!”. Em troco das boas palavras daquele homem, o pai oferecia-lhe um (ou dois) copos de vinho. Num golo só, entornava o copo e com os olhos cheios de lágrimas dizia “Oh Adérito, grande amigo, eu gosto de vocês, como gosto da minha família. Ah Catano! Quando aqui passo, e vejo as portas fechadas e as ervas nos telhados e nos canteiros, eu digo cá para comigo: tenho saudades deste amigo. Anseio por lhe dar um abraço!”

Sentava-se ali connosco no banco comprido de madeira vermelho a descansar da caminhada que trazia. Descansava e abria a sua alma… uma vontade imensa de partilhar os seus sentimentos bons de amizade – pura, genuína.

Um homem simples, bom, sensível e muito falador. Enquanto falava, limpava os olhos que não conseguiam deixar de transparecer o sentimento e que o transpunha nas suas doces palavras.

Os dias repetiam-se e eu via o meu pai, cada minuto que passava, feliz. Cantarolava, assobiava… músicas do seu tempo, que certamente o faziam sentir vivo, como quando tinha 17 ou 10 anos de idade.

Andava dum lado para o outro, a dar os últimos retoques de tinta nas portas, nas janelas. Tirava as ervas todas em volta da casa, e cuidava das pedras desalinhadas ali em redor.

Levantava-se muito cedo e à noite ficava a olhar as estrelas até contá-las todas.

De vez em quando, ia à janela ou à varanda do quarto e ficava a contemplar as paisagens como se fosse o último momento da sua vida. E antes de regressar para dentro, dava um suspiro profundo e prolongado com os olhos fechados.

Mas havia alturas também, que fazia um silêncio profundo. E ficava apenas com um olhar parado, distante e triste…

Muitas vezes, a mãe dizia “Oh homem, pára um bocado!” e ele respondia com um ar de graça e de ironia “O tempo é pouco! Precisava estar aqui mais tempo”.

Tanto a mãe como nós achávamos que era tempo a mais de isolamento e descanso. Achávamos que o pai exagerava nas lidas e cuidados com aquela casa perdida no meio dos montes.

Mas não tínhamos alternativa: ali estávamos à espera do último dia de férias e da recolha da N. Sra. da Soledade à capela de Sta. Bárbara.

Passados três anos o pai morreu.
Aos poucos e poucos, o António Calça, o Tiaita, o José Bichança… também deixaram de lá passar.
E o caminho de Sta. Bárbara deixou de ter o encanto que tinha.

Foi preciso passar muitos anos, para eu sentir coragem de lá voltar. E o que eu receava, tinha medo... aconteceu. Não vi as fontes, não vi o comboio, não vi os cheiros, nem o saco no Largo das Devesas, nem o olmo, nem os bancos compridos de madeira vermelhos… nem a tia Maria, nem o tio Elísio, nem o tio Ivo, nem os amigos do meu pai. Não vi nada que reconhecesse ou marcas do que tinha visto há trinta anos atrás.

Apenas lá no alto, Sta. Bárbara continua como testemunha de que foi aquele o caminho feliz que percorri um dia.

Sabermos amar cada momento bom da nossa vida e vivê-lo intensamente o melhor possível, como se fosse o último. É sem dúvida alguma, a forma mais bonita e inteligente de se viver. Nunca sabemos quando partimos. E só nos apercebemos do real valor das coisas, quando já não as temos.

Cada momento é único e nunca mais se repete.

O meu pai sabia disso!



Maria Cristina Quartas

Fevereiro 2010

NOTA: Deixo o meu agradecimento, muito particular, ao amigo Mário Anacleto porque foi a fonte da minha inspiração para escrever este texto.